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O melhor Natal da minha vida – Papo de Cuidador
- 13 de dezembro de 2018
- Posted by: Alzheimer360
- Category: Cuidador
“O último natal que passei com meus pais foi no hospital; o penúltimo foi no hospital, antepenúltimo também foi no hospital…, mas eu lembro do último natal em que passamos juntos.
Papai já estava doente e eu disse para minha mãe:
– Vamos para minha casa e amanhã não precisa cozinhar nada, nós vamos almoçar no restaurante e depois vamos passear.
Mamãe ficou empolgada:
–Oba! Vou me livrar do fogão!
Fomos para minha casa na véspera, pensei em passear um pouco para ver os enfeites de Natal, mas papai não se sentia bem, estava um pouco confuso e fazia muito xixi, não conseguia controlar e achamos melhor passar a noite em minha casa, assistindo a missa do Galo, minha mãe sempre se emocionava com a beleza da Igreja e do rito. Papai dormiu logo depois do jantar, estava sonolento e dormia muito.
Nesse período papai começou a ter dificuldade para andar e se desequilibrava com muita facilidade, algumas vezes caia e não se lembrava, embora estivesse machucado, não sabia de onde vieram aqueles arranhões.
O dia amanheceu com cara de Natal, fiz café da manhã com tudo que eles gostavam e os dois vestiram a melhor roupa, perfume, cabelo penteado e prontos para o nosso almoço de Natal.
Fomos a um restaurante que papai gostava muito – fechado.
– Puuuuuu Mirinha, será que eles não abrem pra gente?
– Não pai, acho que eles não vão aceitar abrir só para nós três; vamos em outro.
Assim fizemos um tour pelos restaurantes e todos fechados.
– Estou com fome – disse minha mãe e papai concordou, já um pouco ansioso.
Vamos ver a decoração de Natal e depois a gente continua procurando restaurantes.
– Tenho fome! Porque ninguém abre o restaurante para a gente? – disse meu pai irritado.
– Pai é Natal, acho que nenhum restaurante vai abrir.
– O que é Natal?
Minha mãe me olhou angustiada e eu tentei reverter a situação.
– Esqueçam os enfeites. Vamos para minha casa e eu vou fazer um almoço especial de Natal.
Concordaram imediatamente, comprei sorvete, pão e guaraná na padaria e fomos para a Serra.
Fiz arroz, omelete e “enriqueci” com batatas, um frango desfiado do almoço anterior e salada de tomate com cebola. Minha mãe olhou meu almoço especial um pouco decepcionada, mas meu pai permitiu que a fome falasse mais alto.
– Oba que delícia!
Brindamos e tomamos sorvete de sobremesa.
Contei histórias, ouvi pela milésima vez as histórias deles; relembramos nossos natais quando eu era criança; mamãe pediu minha caixa de fotografias e ficamos relembrando juntos, rindo das bobagens e nos embriagando com o amor que vazava pelos nossos poros.
Papai fez xixi na calça, mamãe me olhou assustada:
– Mãe, atire a primeira pedra quem nunca fez xixi na calça.
Ela riu e continuamos com as histórias e fotografias. Nem lembro se trocamos presentes, isso era tão dispensável que esqueci.
Depois liguei a televisão e assistimos um filme bobo sobre Natal, meu pai não entendeu nada, mas estava sentado no sofá do meu lado e eu sentia uma onda de amor passeando entre nós.
No meio do filme ele dormiu no sofá, mamãe foi para o quarto porque estava cansada do passeio, eu fui lavar a louça e fiquei olhando para aquele homem bonito, que estava se despedindo de mim.
Eu sabia que era o porto seguro deles, assim como eles foram o meu, durante toda a minha vida. Os meus amores estavam dormindo na minha casa, no dia de Natal, esse era o meu presente e eu sabia que teria que ser forte, para ser a mãe, a filha, o colo, a proteção e o Papai Noel dessas pessoas amadas que foram tudo isso para mim.
Acho que naquele Natal eu consegui compreender o verdadeiro significado do Amor e da mensagem do menino Deus, quando disse – “Vinde a mim os pequeninos porque deles é o Reino dos céus.” Eles eram as minhas crianças e eu, a mãe orgulhosa e assustada, mas sabia que o Amor iria dar conta de tudo o que estava por vir.
Esse foi nosso último Natal juntos e foi o melhor Natal da minha Vida.”
Míriam Morata, autora de Alzheimer diário do esquecimento e Alzheimer recolhendo os pedaços.
Os livros "Alzheimer diário do esquecimento" e "Alzheimer recolhendo os pedaços" não são vendidos em livrarias, apenas…
Publiée par Alzheimer diário do esquecimento sur Vendredi 21 septembre 2018