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Alzheimer: um Salto para a Vida – Papo de Cuidador
- 10 de janeiro de 2019
- Posted by: Alzheimer360
- Category: Cuidador
Um dia João passava por uma estrada, de repente seu carro desgovernou e precipitou sobre um abismo de 120 metros de profundidade. A porta do carro abriu, João foi arremessado para fora e agarrou-se a um galho:
– Meu Deus me ajude!
Nesse instante João ouve uma voz:
– Então João, agora você acredita que eu existo?
– Claro que eu acredito Senhor, afinal eu estou vivo pendurado em um galho e meu carro explodiu lá embaixo.
– Acredita mesmo?
– Sim, Senhor.
– Tem certeza? – insistiu a voz.
– Claro, é a maior certeza que tenho na vida.
– Então solta as mãos e eu te pego lá embaixo!”
Quantas vezes durante a vida, essa Voz misteriosa me fez a mesma proposta, e eu continuei agarrada ao galho, apavorada com a possibilidade de cair nesse abismo e perder tudo que sustenta minhas certezas, inclusive a ilusão de que tenho algum controle sobre qualquer coisa fora ou, dentro de mim.
O que significaria segurar esse galho para sempre?
Talvez um certo conforto e orgulho por desafiar e sobreviver ao vazio e medo mas, será vencer o abismo ficar imóvel, assustada, agarrada a uma tábua de salvação que me lança para longe do processo dinâmico da Vida?
A zona de conforto me protege e imobiliza.
O que significaria soltar esse galho e me permitir saltar no vazio desconhecido, sem nada que ampare esse voo?
Haverá alguma mão bendita, que me acolherá lá embaixo?
Até onde a minha Fé consegue sustentar, essa aventura assustadora da existência?
E de repente eu descubro que nem sempre essa Voz me dá opção. Essa voz pode ser muitas coisas, inclusive uma doença, a despedida de alguém amado que sai da minha Vida ou, a solidão pela recusa de alguém em segurar minha mão estendida…
Ou, pior do que tudo isso – alguém que vai embora, mesmo que seu corpo permaneça ao meu lado.
Um dia, quando eu estava até me sentindo familiarizada e confortável com esse galho, chega o Alzheimer e não pede para eu soltar as mãos, ele quebra o galho. E eu despenco sem opção, sem nenhum preparo para esse voo, sem nenhum olhar amigo observando a queda livre.
Quando o Alzheimer me lançou nesse Universo absurdo e assustador, eu não estava preparada para a queda, nunca aprendi a dominar a minha vertigem diante do vazio e da solidão.
E durante a queda eu aprendi que tinha apenas duas opções – resgatar as asas que romanticamente imaginei possuir ou, soltar o corpo e aguardar o impacto no fundo do abismo.
Eu escolhi as asas, porque se me rendesse ao chamado sedutor da desistência, eu levaria mais dois corpos ao fundo do abismo e, ironicamente esses corpos foram os que me trouxeram até esta aventura. Mais do que covardia, seria uma ingratidão muito grande afundar com quem me carregou no colo.
Então eu comecei a aprender um pouco a respeito do vento, dos medos, da esperança, do amor, de curativos, como fazer sopa e peneirar os legumes; enquanto despencava eu tentava saber um pouco mais sobre a fé, as demências, a impermanência da vida… às vezes eu batia em alguma pedra do penhasco mas, isso também me ensinou a fazer curativos.
Aos poucos fui sentindo um certo respeito pelo vento, que emaranhava meus cabelos e até ousei olhar a paisagem, sem mágoa ou revolta.
Eu não poderia desistir, e nem parar no meio do caminho, porque o abismo não tem plataformas para pousar e descansar; assim como o Alzheimer não oferece pausas para nosso descanso, ou um minuto de silêncio em respeito ao nosso luto constante.
Então, nós três caímos juntos e quando chegamos no fundo do abismo, não sei se era a Mão Divina que nos aguardava mas, quando bati o pé no fundo, eu era um ser humano muito melhor, embora todas as marcas dessa queda permanecerão comigo para sempre, eu sei que nós três sobrevivemos, cada um seguiu um caminho diferente, mas fizemos o que tinha que ser feito e fizemos com amor, talvez essa seja a mão divina que nos acolheu.
O Amor que esteve presente durante toda a queda, nos salvou desse pesadelo e me ajudou a subir do fundo do abismo, não mais carregando alguém amado, mas sendo carregada por dois anjos que me acompanham desde então.
Eu desejo a todos amigos que neste Novo Ano, vocês aceitem o desafio de se lançar nesse abismo e não soltem a mão dessa pessoa amada, que talvez nem saiba quem você é. Aprendam com tudo, com todos e saibam que durante a queda e lá no fundo, é o Amor que dá significado para esse desafio.
Feliz Ano Novo amigos.
Míriam Morata autora de Alzheimer diário do esquecimento e Alzheimer recolhendo os pedaços.
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Publiée par Alzheimer diário do esquecimento sur Vendredi 21 septembre 2018